terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Mau tempo: Chuva traz vida ao interior nordestino e leva morte a Lisboa

Porto, 19 Fev (Lusa)
A chuva que tirou, segunda-feira, uma vida na Grande Lisboa trouxe vida e foi recebida como uma bênção pelos pastores e agricultores do interior nordestino, de Bragança a Castelo Branco.

Afectada por uma seca, há já alguns meses, a região do Nordeste de Portugal abriu os braços à chuva que, desde domingo, molhou os campos sequiosos ajudando a recuperar, ainda que muito tenuamente, a força dos pastos e o vigor dos caules e sementes, em época de crescimento, de "acasalamento" com a terra.

Ao invés, a Sul, na região da capital do país, a mesma chuva, bem mais diluviana, provocou o caos, trazendo consigo a destruição, a consequente miséria e também a dor da morte.

Bênção no pobre interior nordestino, Inferno na "poderosa" Grande Lisboa, as duas faces de uma natureza maniqueísta, que tanto dá...como tira.

As cheias na Grande Lisboa causaram, segundo dados da Autoridade Nacional de Protecção Civil, um morto, cinco feridos, um desaparecido, 179 desalojados e 122 deslocados.

A única vítima mortal registada, até ao momento, é uma mulher, ocupante de uma viatura que caiu na Ribeira de Belas, Sintra.

A outra ocupante do veículo, também mulher, continua desaparecida, estando os agentes da PSP, auxiliados por cães, e bombeiros destacados nas buscas.

No entanto, a chuva que caiu desde domingo no Nordeste Transmontano está aliviar as preocupações dos produtores de gado, do distrito de Bragança, que já temiam pela falta de forragens para os animais.

"Era bom uma semana a chover assim de mansinho", disse hoje à Lusa Fernando de Sousa, secretário técnico da Associação de Criadores da Mirandesa, uma das raças autóctones transmontanas.

Segundo o responsável, "o Inverno tem sido muito seco e os agricultores estavam a ficar preocupados porque as pastagens não rebentavam e a terra não absorvia os adubos lançados por esta altura por falta de humidade".

De acordo com o técnico, "por norma nesta época do ano o gado é alimentado com as reservas alternativas, mas sempre ia apanhando alguma coisa nos campos, o que não tem acontecido".

A chuva implica alguma subida da temperatura, que contribuiu também para o crescimento das forragens.

Também os agricultores e pastores do distrito de Vila Real continuam preocupados, apesar das chuvas de domingo e segunda-feira, com a situação de seca que está a ameaçar os pastos e as culturas da época.

Armando Carvalho, dirigente da Associação dos Pastores Transmontanos e da Confederação Nacional de Agricultura (CNA), disse hoje à Lusa que os pastores da região têm manifestado grandes preocupações com o pastoreio de ovinos e caprinos.

Em causa está, frisou, a escassez de vegetação nos pastos devido à falta de água, que faz com que os rebanhos tenham que percorrer vários quilómetros em busca de pastagens ou que os pastores gastem "avultadas" verbas em rações ou cereais para alimentar os animais.

Também a falta de reservas hídricas nos solos está a preocupar os agricultores que preparam, neste momento, as culturas de Primavera/Verão, nomeadamente os cereais, nomeadamente o milho, centeio, trigo e aveia.

Ainda segundo Armando Carvalho, se nos próximos meses não forem repostas as reservas hídricas nos solos através da queda de chuva, também a vinicultura será gravemente afectada.

"A chuva que caiu hoje na região é um verdadeiro milagre para a agricultura transmontana", sustentou Armando Carvalho.

A chuva que tem caído na região da Guarda e na Serra da Estrela é também vista pelos pastores e agricultores da região como uma bênção para o sector agrícola, pois a seca estava a criar situações preocupantes.

"A seca estava a atingir um nível muito elevado, porque os pastores da região da Serra da Estrela já não tinham comida para as ovelhas", disse hoje à Lusa o presidente da Associação Distrital de Agricultores da Guarda.

Segundo António Machado, os pastores "já estavam a dar palha e ração às ovelhas", situação que também se reflectia numa "menor produção de leite".

O cenário foi confirmado por Manuel Marques, presidente da direcção da ANCOSE - Associação Nacional de Criadores e Ovinos da Serra da Estrela, ao referir que devido à seca registada "muitos pastores estão a passar dificuldades devido aos encargos, que são maiores, com a sustentação das ovelhas com rações e fenos".

"Muitos deles estão mesmo com dificuldades em conseguir sustentar a vida familiar com os proveitos dos rebanhos", frisou.

"Não havendo humidade na terra não há ervas e sem humidade e bons pastos não há bom queijo", disse o dirigente, acreditando que a chuva que já caiu poderá contribuir para "reter a humidade nos terrenos".

Sustentou também que devido ao tempo seco "por causa da falta de pastos, a produção leiteira baixou substancialmente, na ordem dos trinta por cento, em relação a 2007".

As preocupações do sector serão transmitidas, quarta-feira, ao secretário de Estado Adjunto da Agricultura e das Pescas, Luís Vieira, numa reunião que terá lugar em Lisboa, a pedido da ANCOSE.

No distrito de Viseu, a chuva que caiu ajudou a repor a humidade nas pastagens, mas "é ainda muito pouca para garantir as sementeiras" que se aproximam, disse hoje à Lusa Baltazar Almeida, da associação Balflora.

Segundo o dirigente, nas zonas mais serranas do distrito, como as encostas das serras do Montemuro e da Nave, "estavam-se a registar problemas com as pastagens do gado".

O mesmo acontecia nos lameiros à beira dos rios (onde há a chamada erva de sete anos), "nomeadamente do Paiva, que, por causa dos aproveitamentos hídricos, estavam a ficar secos".

"A chuva é ouro para a agricultura", frisou Baltazar Almeida, sustentando que, para que as próximas sementeiras corressem bem, seriam precisos "15 dias de chuva, porque os terrenos estão muito secos".

A chuva está também a tranquilizar os agricultores de Castelo Branco, onde as barragens e charcas quase secas faziam prever o pior para as culturas de Primavera e Verão.

"É óptimo que venha esta chuva, porque as bacias hidrográficas estavam baixas e assim há um revigoramento de todo o sistema hídrico", realçou à Lusa Mesquita Milheiro, presidente da Associação Distrital de Agricultores.

"Estamos quase a começar as culturas de Primavera e Verão", como o milho e frutas, "e se não chovesse havia falta de reservas de água", disse Mesquita Malheiro.

Pedro Cardoso, veterinário coordenador da Associação de Produtores de Ovinos do Sul da Beira (Ovibeira) também sustentou que "antes da chuva começar a cair, as pastagens que restavam na Beira Baixa "eram muito rasteiras".

"Já só lá chegavam ovelhas e cabras, não serviam para bovinos", referiu à Lusa, acrescentando que "depois da chuva cair, desde que o sol apareça e não haja temperaturas baixas, pode nascer nova erva, após três a quatro dias".

"O ideal era que chovesse menos, mas durante mais tempo, para que a água se infiltrasse mais na terra. Assim, com a chuva forte, muito da água vai acabar por escorrer para os cursos de água", frisou Pedro Cardoso.

A Ovibeira abrange Castelo Branco, Idanha-a-Nova, Vila Velha de Ródão e Penamacor num total de 180 mil ovelhas e cabras e 15 mil bovinos.

Seja como for, disse o veterinário, "a chuva é bem recebida porque, sem boas pastagens, os animais ressentem-se".

"Por exemplo, o leite pode perder qualidade", acrescentou.

Também João Fernandes, presidente de duas associações distritais ligadas à produção de queijo, sustentou que "sem pastagens, os produtores têm sido obrigados a dar maiores suplementos de rações, que estão cada vez mais caras".

Este responsável também saúda a chuva e garante que a qualidade do queijo "ainda não foi afectada", por esta não ter começado a cair mais cedo.

No entanto, a sua maior preocupação são os custos acrescidos com a alimentação dos animais.

"Há produtores que estão abandonar a produção dos animais", refere, sem no entanto arriscar números.

Quanto ao abastecimento de água às populações, e salvo situações pontuais como é o caso de Sabrosa, em Vila Real, onde conjunturalmente ocorrem deficiências, a situação está controlada nos cinco distritos nordestinos.

JAM/HFI/PLI/ASR/AMF/LFO.

Lusa
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